
Síndrome de Charles Bonnet
Síndrome de Charles Bonnet
A síndrome de Charles Bonnet (SCB) é uma condição neurológica caracterizada por alucinações visuais em pessoas com perda severa da visão. Estas alucinações podem ser simples ou complexas:
- Alucinações simples -> não são formadas imagens nítidas ou são visões elementares, como figuras geométricas, cores e luzes.
- Alucinações complexas -> são alucinações visuais claras que podem formar imagens de animais, pessoas e objetos conhecidos pelo paciente.
Apesar de parecer uma patologia psiquiátrica, a SCB ocorre devido à falta de estímulos visuais, o que faz com que o cérebro tente preencher os pedaços que faltam da perceção visual.
Neste trabalho, vou abordar e explorar a SCB, apresentando casos clínicos documentados e associar esta síndrome ao tema da sensação e perceção no cérebro humano.

Quem era Charles Bonnet?
Charles Bonnet (1720-1793) foi um biólogo e filósofo suíço. Foi autor de importantes descobertas biológicas como a partenogénese.
Em 1760, ele relatou que o seu avô (87 anos) que possuía uma grave catarata e que mesmo possuindo uma quase cegueira total, queixava-se de alucinações visuais complexas e realistas; dizia ver pessoas, aves e vários padrões de complexidade variável. Depois de observar isto, Bonnet deu o seu nome à sua própria descoberta.
O que é e como funciona?
A SCB foi, como mencionei em cima, descoberta em 1760 por Charles Bonnet após reparar nos sintomas do seu avô, que dizia ver figuras inexistentes após perder a visão. Depois de vários estudos realizados, sabe-se que esta síndrome costuma ocorrer em idosos com doenças oculares degenerativas, como por exemplo glaucomas, cataratas e rinopatia diabética. Estas alucinações são apenas visuais e não recrutam outros sentidos.
Na SCB, o que acontece é o seguinte:
- O cérebro visual, nomeadamente o córtex occipital, continua a funcionar, mesmo quando os olhos deixam de lhe enviar estímulos visuais.
- Sem entrada sensorial, ou seja, sem receber sensações, o cérebro visual fica "aborrecido" e começa a criar atividade espontânea, dando a sensação de se estar a ter um sonho mas acordado.
- É por isso que muitas vezes as alucinações podem ser ricas, coloridas e realistas.
Diversos estudos utilizando ressonâncias magnéticas em pacientes portadores da SCB mostraram que, durantes as alucinações, estas mesmas áreas do cérebro de que falámos são ativadas como quando uma pessoa "normal" vê objetos reais.

Caso mais conhecido


Oliver Sacks
Oliver Sacks foi um neurologista, escritor e professor britânico, que nasceu em 1933 e faleceu em 2015. Este é muito conhecido pelas suas obras e livros acessíveis sobre casos clínicos reais da neurologia. Neste período, estudei o livro "Musicofilia" de autoria dele, para conseguir realizar o meu trabalho sobre a Teoria das Inteligências Múltiplas, relacionando-a com casos presentes nesta obra. Sacks além de estudar casos alheios a ele, também relatou experiências pessoais, incluindo a Síndrome de Charles Bonnet.
Nos seus últimos anos de vida, Sacks começou a perder gradualmente a visão devido a um melanoma ocular metatástico, que afetou o seu olho direito. À medida que ele foi perdendo a sua visão, também foi acompanhado de alucinações visuais vívidas, compatíveis com os sintomas desta síndrome.
Ele dizia ver formas geométricas em movimento, rostos e cenas completas, como paisagens e etc. Ele não achava as suas alucinações assustadoras e sem significado emocional, como muitas vezes é típico em pessoas com SCB, e estava sempre consciente de que o que via não era real (critério importante para diferenciar SCB de alucinações psicóticas).
Oliver Sacks falou sobre toda a sua experiência com esta síndrome na sua obra "The Mind's Eye" (2010), onde fala sobre a visão, perceção e desafios enfrentados por pessoas com dificuldades visuais.
Sacks foi importante para o estudo desta síndrome, dando credibilidade à existência da mesma. Sendo um neurologista respeitado, ajudou a reduzir o estigma sobre as alucinações da síndrome e mostrou que o cérebro continua a ser criativo, mesmo quando um dos sentidos falha.
Relação com a sensação e a perceção (relação com a matéria estudada em aula)
Este tema está completamente relacionado com os conceitos que demos em aula da sensação e da perceção. A sensação é aquilo que recebemos diretamente através dos nossos órgãos dos sentidos. No caso da visão, é quando a luz entra pelos olhos, atinge a retina e é convertida em sinais que nos chegam ao cérebro. Já a perceção é diferente, e acontece quando o cérebro interpreta a informação, ou seja, a sensação recebida, e constrói aquilo que vemos.
Na SCB, a relação entre conceitos é clara e óbvia, tendo a pessoa uma visão muito má e deteriorada, a sensação visual fica muito reduzida e até ausente. Mas, mesmo assim, o cérebro continua ativo e quer tentar interpretar alguma coisa, fazendo com que se comece a criar perceções mesmo sem se ter estímulos reais. Daí originam-se as alucinações visuais, onde o cérebro está basicamente a tentar preencher a falta de informação recebida (sensação) proveniente dos olhos, inventando imagens (perceção).
Podemos então concluir que a perceção não depende exclusivamente da sensação e que o nosso cérebro não é um recetor passivo, e constrói a realidade com base em experiências anteriores, memórias e padrões. A SCB é um bom exemplo disso: vemos sem ver, porque o cérebro "quer ver".

Conclusão
A Síndrome de Charles Bonnet (SCB) é um fenómeno fascinante que nos faz perceber como a perceção não está dependente da sensação. A SCB desmente a ideia de que vemos apenas aquilo que está à frente dos nossos olhos, e mostra-nos que o nosso cérebro tem um papel ativo na construção da realidade visual.
Infelizmente, esta não é uma síndrome muito estudada e foi-me difícil encontrar casos conhecidos para falar sobre, apenas encontrei o de Oliver Sacks. Na minha opinião, acho que devia ser melhor estudada tendo em conta a sua frequência em indivíduos com dificuldades visuais e também devido ao facto de que o pouco que se encontra na internet sobre ela nos ajuda a perceber melhor a diferença entre os conceitos da sensação e da perceção, principalmente no ramo visual. Esta falta de informação presente na internet foi a minha maior razão para realizar um trabalho sobre isto. Também achei um tema muito interessante.
Esta síndrome ajuda-nos então a perceber melhor como o cérebro processa informações visuais, o que pode ser útil para desenvolver novas terapias para distúrbios visuais e neurológicos.
Data: 20.03.2025